SOFRO COM O LÚPUS

SOFRO COM O LÚPUS

domingo, 25 de março de 2012

DEPOIMENTOS

Segundo Dr. Gregory House, "it´s not lupus"!


Dez anos atrás meu mundo estava turvo. Em meio aos vestibulares e paixonites mal resolvidas, surgia o lúpus. Não entenda essas palavras como tristes, mas sim absorvidas. Dez anos atrás, eu mudei, minha vida mudou, mudaram meu rumo sem que houvesse uma escolha naturalmente minha. Dez anos atrás eu vivia o início de um tratamento que causava medo aos meus 17 anos... Aquele seria meu destino? Não tive medo, mas me senti muito triste. Triste como poucas vezes me senti nessa vida, ainda tão insignificante diante de tantas possibilidades que ainda existem.

Sei como isso causou medo a quem me amava, aos meus amigos e familiares, especialmente à minha mãe. Só eu sei como era difícil olhar no espelho e não me encontrar. Só eu sei como era estranho pensar que o sol se transformara em inimigo, que agora eu viveria sob constante controle... À medida que a borboleta se manifestava no meu rosto, quando o cabelo se perdia por aí, ao ver meus olhos tristes nas fotografias... Quem era aquela pessoa, que eu não reconhecia? Aqueles olhos fundos da “Carolina” de Chico Buarque, num ano difícil, vivendo um amor impossível... O mundo havia mudado porque eu não era mais a mesma.

Dez anos atrás uma revolução foi iniciada. Sem volta. Não pense que escrevo essas palavras com tristeza, muito menos com pena de mim mesma. O “meu” lúpus era pouco perto de tantas outras coisas que vi na vida, seja na minha ou na de outras pessoas. Era um inimigo quase invisível. Irônico é pensar que o lúpus é um “auto-ataque”, ou seja, nada mais coerente com quem “eu era”: uma jovem esfarrapada e com medo de viver, como medo do que eu parecia aos olhos das outras pessoas. Fui escolhida. O lúpus é genético, mas se manifesta em casos específicos. Talvez algum dia eu mesma tenha escolhido enfrentar tudo isso, bem lá no fundo, como um grande teste. E quando olho pra trás, afirmo: enfrentei. Se em algum momento me desesperei, jamais deixei de correr atrás de melhores condições de vida. Se em algum momento eu perdi a esperança, logo a reencontrei. Se algum dia me senti horrível, tomei uma atitude: em minha casa não haveriam espelhos e relógios. O tempo voltaria a ser meu e minha face seria apenas um detalhe no que estava por vir.

Há muito tempo eu não falava sobre isso, pensando em como foi difícil no começo. Há muito tempo não penso como estou bem agora, como consegui superar alguns momentos de fraqueza. E se paro ainda pra pensar em quais foram os momentos que mudaram a minha vida, um deles com certeza foi a descoberta do lúpus, pois se sou quem sou hoje, devo uma parte considerável às lições que o lúpus me trouxe. Talvez o lúpus tenha me mostrado o que realmente era importante, ou como eu era bonita e não dava valor, ou como o mar era importante na minha história, ou como a vida era curta e frágil. Descobri que não podia desperdiçar o meu tempo e que eu deveria tentar, arriscar, errar, viver. As limitações eram ilusórias quando a vida ganhava um novo horizonte.

Eis o ponto de mudança do meu vento. Lúpus cutâneo sub-agudo e discóide. Não precisei me embebedar na adolescência pra me divertir. Não precisei provar nenhuma droga pra testar os meus limites (já me bastavam as drogas autorizadas pelo médico). Não precisei vadiar pra saber que até nos estudos eu podia me divertir. Não precisei chutar o balde como se fosse o fim de tudo. Dez anos atrás optei por curtir, sem precisar conhecer o fundo do poço para dar valor ao que eu tinha. Mesmo com a saúde fragilizada, vivi intensamente e ainda vivo. Aliás, vivo cada vez mais, com mais vontade, pois a única certeza que ainda me resta é de que estou correndo contra o tempo. Todos estamos!

Qual o motivo pra eu relembrar tudo isso agora? Talvez porque eu ainda não tenha 100% da minha saúde de volta, mas isso em nada tem me impedido de viver. Talvez porque eu não viva o suficiente pra ver a cura do lúpus, especialmente para quem sofre com a versão sistêmica... A questão é que depois do lúpus, escolhi novos rumos sem desistir de ir adiante, mesmo sabendo que podia ser difícil. Não foi fácil encarar a faculdade com grandes bochechas, não foi fácil lidar com a minha auto-estima flagelada, não foi fácil suportar tantos medicamentos e enxaquecas. Mas e daí? Estou aqui. Mais viva do que nunca.

O sol? Estive em Fernando de Noronha e Abrolhos. Mergulhei em vários mares... Conheci Chichen Itzá, abracei um tubarão, beijei um golfinho. Vivi vários amores, me decepcionei com alguns outros. Curti festas, músicas, aventuras e desafios! Fiz rafting, pulei de tirolesa, quase me afoguei num coral em Maraú. Naveguei, andei, dancei. Completei a faculdade, a pós-graduação, escrevi artigos e um deles foi apresentado na França. Sou uma profissional realizada, mesmo não estando no mar. Vim de uma família de guerreiras, não poderia ser diferente... Tenho muitos amigos, em todos os cantos do mundo, seguindo seus destinos. Encontrei minha irmã caçula na Internet, converso com um irmão que nunca vi de perto. Escrevo todos os dias em meu diário e tenho vício em fotos, contradizendo aquela pessoa que tinha medo de espelhos... As fotos são espelhos fixos! Coloquei a Corrente do Bem pra funcionar, consegui carregar meus amigos pra essa idéia maluca. Mudei meu mundo, mesmo que sejam poucos metros quadrados. Aquela borboleta vermelha do meu rosto agora bate as asas em minha alma, pois nada conseguirá me deter. Nada e nem ninguém. Isso sim é fé. Se não tenho cicatrizes no rosto é porque não deixei a tristeza me marcar. A vitória sempre me esperou
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